UMA PANDEMIA PODE AFETAR AS RELAÇÕES CONTRATUAIS?
UMA PANDEMIA PODE AFETAR AS RELAÇÕES CONTRATUAIS?
Tema muito interessante para este momento de incerteza e pânico ante a pandemia do Covid 19.
Muitos tem perguntado sobre a impossibilidade de cumprirem contratos, especialmente os de locação de imóveis.
Alegam que o contrato teria se tornado excessivamente oneroso para uma das partes em virtude de um evento imprevisível e assolador, como a pandemia.
Dentro do mercado imobiliário, especificamente, já é possível ver locatários desejando rescindir o contrato ou afirmando que deixarão de pagar alugueis, acreditando que estão acolhidos pela legislação brasileira. E fica a indagação: isso é realmente possível juridicamente? E a resposta dependerá, certamente, da identificação de cada caso concreto.
De fato, nos termos da Legislação Civil, se, por motivos imprevisíveis, houver uma desproporção manifesta entre o valor da prestação contratada e a devida no momento da sua execução, será possível seu ajuste pelo magistrado (“teoria da imprevisão”), assim como nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação se tornar excessivamente onerosa para uma das partes, com extrema vantagem à outra, poderá ser pleiteada a resolução do contrato (“onerosidade excessiva”).
O que se vê é que a “teoria da imprevisão” e a “onerosidade excessiva” devem considerar os aspectos contratuais objetivos e não subjetivos.
Em uma situação de locação, por exemplo, não há, a princípio, que vislumbrar que a onerosidade excessiva para o locatário implicará numa extrema vantagem ao locador.
Não se pode ignorar que a pandemia se revelou um fato não previsível para todo e qualquer cidadão brasileiro e do Mundo.
Do mesmo modo, há quem aponte a pandemia como situação de caso fortuito ou força maior, acreditando que, nos termos do Código Civil brasileiro, o devedor não responderá pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles se responsabilizado. Teria, aí, assim, uma hipótese de exclusão de responsabilidade.
Acontece que todos estes argumentos deverão sair do nível abstrato para fazer uma leitura atenta do caso concreto.
É o caso concreto que poderá apontar a saída, já que apenas uma impossibilidade concreta no cumprimento de um contrato poderá justificar eventual descumprimento.
As circunstâncias trazidas pelo novo coronavírus não poderão sugerir, de imediato, que todo e qualquer contrato não poderá ser concretizado ou que terá se tornado oneroso, sendo indispensável a demonstração cabal não somente da imprevisibilidade, impossibilidade de cumprimento e/ou onerosidade excessiva e, aqui, inclusive, que houve mudança drástica na situação de uma das partes envolvidas com vantagem à outra.
É importante a comprovação do prejuízo ou de um impedimento real apto a justificar uma rescisão, suspensão ou revisão contratual e não um mero argumento abstrato, sendo que obviamente, a boa-fé e equilíbrio na relação contratual deverá ser preservado, sendo importante lembrar que também o contrato deve cumprir sua função social, o que assegura uma relação justa com trocas úteis, não prejudicando terceiros.
Aliás, deve-se evitar que, no caso de um contrato de locação, citado aqui como exemplo, ocorra um efeito negativo e em cascata, na qual a recusa ao pagamento de um aluguel implique na impossibilidade do locador cumprir seus compromissos, sendo os seus contratos, por sua vez, também afetados.
O bom senso, numa situação de excepcionalidade, fará com que a melhor saída seja a renegociação de contratos e/ou negociação de alternativas, repensando prazos, valores ou uma rescisão amigável quando inevitável.
Assim, deverão ser antes apuradas não só a imprevisibilidade, mas, ainda, a real impossibilidade fática da parte que as suscita.
Uma pandemia não só pode como já tem afetado determinadas relações contratuais, estremecendo-as, o que poderá, porém, ser revertido ou minimizado se as partes agirem com boa-fé e inteligência negocial, buscando um desate comum e evitando desgastantes disputadas judiciais.